AME OU DEIXE SUA PROFISSÃO


Por João Marcos Bezerra

Parece até um pouco duro o título deste texto. Será que só é possível ser um bom profissional se amar a profissão? Sucesso na carreira é apenas para aqueles que amam o que fazem? O tema é um convite para refletir sobre amor à profissão.
Ao pensar sobre amor à profissão é possível lembrar o célebre discurso de Steve Jobs na Universidade de Standford, na Califórnia, onde contou sobre sua incompleta caminhada acadêmica para se dedicar ao estudo de disciplinas que lhe interessavam e cooperaram depois, por exemplo, na diagramação dos Macbooks, de sua demissão da Apple que contribuiu para ele criar a empresa de animação Pixar, e do seu diagnóstico do câncer no pâncreas, cirurgia e cura. Isto tudo foi dito para declarar a importância de investir tempo em fazer o que ama[1].
Todavia, esta declaração levanta algumas questões: o que significa amar a profissão? Só é possível ser bem sucedido naquilo que ama fazer? A satisfação no trabalho somente é encontrada quando se ama a carreira? A intenção deste texto será responder estes questionamentos e expressar o ponto de vista sobre o pensamento de Jobs.
Para responder a primeira pergunta, é necessário entender o que significa amor. “Etimologicamente, o termo ‘amor’ surgiu a partir do latim ‘amor’, palavra que tinha justamente o mesmo significado que atualmente: sentimento de afeição, paixão e grande desejo”[2]. Com isto, pode levantar a tese de que amor à profissão é possuir uma relação afetiva, ter carinho e apego à carreira.
A justificativa para este pensamento é que, ao ter afeição, carinho e apego, a pessoa está mais envolvida e dedicada ao trabalho. Isto pode levar: a determinação para alcançar os objetivos e as tarefas relacionadas à profissão; a ter um desenvolvimento melhor; e, a buscar superar os desafios com maior determinação. Entretanto, nem sempre o que se faz com amor dar o retorno de benefícios desejados, nem a garantia de sucesso profissional e muito menos aumento no salário, gerando frustração e insatisfação no trabalho.
A Bíblia, em 1 Coríntios 13.4-7, apresenta uma definição prática e altruísta para amor, pois mostra esta palavra não apenas como um sentimento de afeição, paixão e apego, mas como uma atitude em busca do bem estar do outro, isto é, aponta que amar não está na própria realização.


O amor é paciente e bondoso. O amor não é ciumento, nem presunçoso. Não é orgulhoso, nem grosseiro. Não exige que as coisas sejam à sua maneira. Não é irritável, nem rancoroso. Não se alegra com a injustiça, mas sim com a verdade. O amor nunca desiste, nunca perde a fé, sempre tem esperança e sempre se mantém firme.

Este conceito aplicado ao amor à profissão levaria a outro patamar porque estaria ligado ao senso de propósito e sentido da pessoa, onde ela buscaria realizar o seu trabalho para beneficiar os outros. Como seria bom ter profissionais e empresas engajadas no bem-estar dos clientes, sem se preocupar muito com os retornos e recompensas. Porém, isto é sonho, não é fato. As pessoas buscam um emprego para suprir as necessidades fisiológicas, de segurança e estabilidade, de pertencimento, de autoestima e estima social e de autorrealização[3]. Aqui não se está condenando isto, apenas fazendo uma constatação.
Baseado nas necessidades citadas acima, é possível perceber também que existem diversos profissionais que são bem sucedidos e se sentem satisfeitos em seus empregos mesmo não tendo grande afeição e apego a ele. As suas necessidades são atendidas o que leva a um sentimento de autorrealização em um determinado momento da carreira. Desta forma, concorda-se com as pesquisas de um cientista chamado Cal Newport que “percebeu que na maior parte dos casos o amor pelo trabalho se desenvolve ao longo do tempo”[4].
A satisfação no trabalho pode ser definida como “a avaliação que uma pessoa faz do próprio emprego e do seu contexto profissional”; está relacionada à percepção do trabalho em si, seu ambiente organizacional e as experiências emocionais vividas ali[5]. Com isso e o diagnóstico de Newport, percebe-se que à satisfação no trabalho está mais ligada ao desenvolvimento pessoal e profissional e às necessidades supridas do que ao amor pelo trabalho.
Então, o discurso de Jobs se mostra uma aplicação pessoal do amor dele à profissão, mas não é uma realidade para a maioria dos profissionais. Ele conseguiu ter sucesso quando se dedicou ao que amava e vários conseguem o mesmo. Porém, a realidade de outros profissionais está em desenvolver ao longo da carreira afeição pelo trabalho, quando as necessidades são supridas e há satisfação no emprego.
É um risco muito grande ensinar que as pessoas devem fazer somente aquilo que amam ou arriscar tudo por amor. Na verdade, deve-se reconhecer que muitas vezes se aprende a ter afeição e grande apego pelo que se está fazendo ao longo do tempo. Isto porque o crescimento profissional e a satisfação se desenvolvem aos poucos. Por isso, tanto se aplicar na busca pelo que ama, como aprender a amar o que faz, podem levar ao mesmo objetivo. Porém, aprender a amar aquilo que se faz é menos desgastante e não é utópico.



[1] JOBS, Steve. Steve Jobs' 2005 Stanford Commencement Address. 2008. (15m04s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UF8uR6Z6KLc. Acesso em 02/05/2019.

[2] SIGNIFICADOS. Significado de amor. Disponível no site: https://www.significados.com.br/amor/. Visualizado em 02/05/2019.

[3] MCSHANE, Steven L; GLINOW, Mary A. V. Comportamento organizacional: conhecimento emergente, realidade global. Tradução: Francisco Araújo da Costa. 6 ed. Porto Alegre: AMGH, 2014, p.121.

[4] RODRIGUES, Ana C. Trabalho precisa de amor? 2014. Disponível no site https://exame.abril.com.br/carreira/trabalho-precisa-de-amor/. Visualizado em 23/04/2019.

[5] MCSHANE, Steven L; GLINOW, Mary A. V. Comportamento organizacional: conhecimento emergente, realidade global. Tradução: Francisco Araújo da Costa. 6 ed. Porto Alegre: AMGH, 2014, p.98.

Comentários

Elisafá Junior disse…
Parabéns pelo texto.
Regina Célia disse…
Amei o texto. Muito bem pensado e escrito. Parabéns lindinho.

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