DANÇA: arte, Bíblia e culto
Por João Marcos Bezerra
Texto inédito escrito 10/04/2018
Falar sobre dança para quem não dança é um grande desafio. Porém, responder questionamentos que surgem sobre a Bíblia e suas relações com as artes, inclusive a dança, faz parte do estudo bíblico. Desta forma, minha esposa me desafiou a escrever algo sobre a relação da dança com as Escrituras Sagradas e o culto. Aqui tentarei, com muito esforço, escrever sobre o que aprendi.
É interessante que atualmente existem muitos textos, estudos e vídeos sobre a dança no culto. De um lado encontramos quem defenda e do outro, aqueles que se opõem. Temos de um lado aqueles que fazem uma análise bíblica e cultural muito relevante e consistente, mostrando um estudo das Escrituras bem sólido e fundamentado sobre o assunto. De outro, pessoas que dançam na igreja e querem justificar esta arte como parte do culto, fazendo declaração, às vezes, estranhas aos fatos encontrados na Palavra para tentar ajustar ao seu ponto de vista.
Neste estudo pretendo dissertar sobre a dança como arte, o que encontramos sobre ela na Bíblia e a sua aplicação no culto. O meu desejo é refletir e levar você, amado leitor, a refletir também para ter tranquilidade no uso desta arte como forma de louvar a Deus dentro e fora da igreja.
A DANÇA COMO ARTE
Segundo o dicionário, dançar é “executar movimentos corporais de maneira ritmada em geral ao som de música”[1]. Quando ouvimos uma música e balançamos o corpo, estamos dançando. Entretanto, a dança pode ter um significado muito maior do que um simples balanço corporal. Pode estar relacionada a rituais, terapias, manifestações folclóricas ou a pura diversão e comemoração.
Outro significado para dança encontrado diz que “a dança é uma forma de atuação artística que consiste em sequências propositalmente selecionadas do movimento expressivo do corpo”, que possuem “valor estético e simbólico e são reconhecidos como dança por artistas e observadores dentro de uma cultura em particular”[2], dando a entender que a dança é uma expressão artística e deve ser considerada como arte.
É importante mencionar também que a dança não é algo recente ou típico das eras medievais, modernas ou contemporâneas. Existem algumas evidências arqueológicas que apontam a existência da dança entre 9.000 a 3.300 anos antes de Cristo. Há também registros escritos sobre esta arte encontrados em obras de Platão e Aristóteles, por exemplo, e também na Bíblia, no Antigo Testamento[3].
No cristianismo, Schaeffer foi um teólogo que incentivou o uso das diferentes formas de artes como forma de glorificar a Deus. Também afirmou que as passagens de Miriã (Êxodo 15.20) e do Rei Davi (2Samuel 6.14-16) “demonstram que Deus se agradava de as pessoas dançarem”. Ele estabeleceu quatro padrões de julgamento de uma obra de arte, que pretendo utilizar neste momento especificamente para a dança. [4]
Como arte, a dança deve ser reconhecida por sua excelência técnica, pois o artista investe tempo para criar uma coreografia com ritmo, passos em diferentes níveis de dificuldades e expressão corporal que demonstram a sua competência e habilidade. Mesmo ao discordar da mensagem passada, devemos levar em consideração a sua qualidade técnica na coreografia, pois, fazendo assim, seremos justos com o trabalho do coreógrafo.
Apesar da importância de sermos justos com o artista, podemos rejeitar a mensagem de uma coreografia porque o julgamento do conteúdo é outro critério empregado na avaliação de uma obra artística, pois ela revela a forma de ver o mundo do autor. Não é errado examinar a dança pelo seu conteúdo também. Como cristãos, devemos usar sim a Bíblia como padrão de julgamento de qualquer mensagem transmitida.
Schaeffer ainda coloca que é importante avaliar a validade da obra. “Aqui questionamos se um artista é honesto consigo mesmo e com sua cosmovisão ou se faz sua arte apenas por dinheiro ou para ser aceito”[5]. Da mesma forma que avaliamos um pregador cristão, se vive o que prega ou não, podemos analisar se a dança está expressando o que vive, o que sente ou o que crer o dançarino e o autor. Então, se o coreógrafo produz uma dança somente para agradar o seu público, sem levar em consideração o que ele mesmo pensa ou crer, o seu trabalho não tem validade.
O quarto critério de análise de uma coreografia, é a relação entre o estilo e o conteúdo. Aquilo que o artista pensa e crer deve estar bem adequado ao veículo que ele utiliza para transmitir sua mensagem. Um determinado ritmo pode apresentar uma forma de pensar do dançarino diferente do que ele gostaria de transmitir de verdade. Podemos relacionar isto, neste momento, a música nos desenhos animados ou filmes, quando há uma cena de ação eles utilizam o rock como estilo de música, por exemplo. Da mesma forma, o coreógrafo precisa analisar o estilo de uma música para expressar a sua mensagem.
Com isso, é possível perceber que a dança pode ser julgada como uma expressão artística e deve ser valorizada por: qualidade técnica, conteúdo, honestidade do autor e estilo. Se a dança tiver qualidade técnica, não deve ser desprezada como um todo. Se o estilo não estiver adequado ao conteúdo, deve ser ajustado. Já em relação ao conteúdo em si, devemos analisar se o autor é honesto em transmitir o que pensa e crer e se está de acordo com a Palavra de Deus.
A DANÇA NA BÍBLIA
Acerca do registro bíblico sobre a dança, o Pr. Augustus Nicodemus[6] informou que o termo aparece na Bíblia cerca de vinte e cinco vezes e que tratam de pelo menos quatro tipos de expressões: festa popular (Jz 21, Mt 11, Lc 7 e 15), vitória militar (Ex 15, Js 11, 1Sm 18, 2Sm 6, 1Cr 15, Jr 31), exultação religiosa (Sl 149 e 150) e culto pagão (Ex 32, Mc 6). Isto demonstra que as Escrituras Sagradas falam sobre esta arte e sua relação com o povo de Deus.
Não vamos tratar de cada texto bíblico, mas escolher alguns que são mais citados nos estudos sobre dança na igreja. O primeiro deles está em Êxodo 15.20, quando Miriã, irmã de Moisés e Arão, pegou um tamborim e, junto com as mulheres hebreias, dançou e cantou, glorificando a Deus pela vitória gloriosa do Senhor sobre o exército egípcio.
Também tem 2Samuel 6.16, onde o rei Davi comemorou a chegada da arca do Senhor em Jerusalém dançando e pulando. Embora Mical, esposa do rei e filha de Saul, tenha reprovado o ato do marido, Davi teve a tranquilidade de reconhecer que o seu feito foi uma celebração a Deus (P.S.: Davi não dançou nu, como alguns costumam dizer, pois usou a estola sacerdotal de linho – éfode). Logo após este fato, não houve nenhum ato de reprovação de Deus, pois não foi ofensivo.
É importante destacar que, tanto no episódio de Miriã, como no de Davi, expressaram a enorme alegria do povo diante da vitória. A dança era uma prática comum nas religiões do Oriente[7] e foi utilizada nestes momentos para louvar a Deus.
Outro texto bíblico que fala em dança é o Salmo 149 que convocava os israelitas a constituírem uma assembleia para louvar a Deus por uma vitória. O salmista convocava o povo a celebrar com música e danças. Era algo comum nas comemorações expressar gratidão e honra pelos feitos do Senhor por meio de cânticos e expressões corporais.
O Salmo 150 também é uma convocação. O destaque aqui está no local em que deveria haver esta celebração. O autor coloca: “Aleluia! Louvem a Deus no seu santuário, louvem-no no seu poderoso firmamento” (v.1), ou seja, o Senhor deveria ser louvado com instrumentos e danças no Seu “local de habitação” (Sl 11.4).
Com base nestes quatro textos podemos aprender que a dança pode ser usada como uma forma de expressar gratidão e louvor a Deus pelos seus feitos, seja numa reunião informal, como na celebração de vitória militar sobre os egípcios e ao levar a arca para Jerusalém, ou formal, na assembleia dos santos. Todavia, não podemos simplesmente pegar estes textos para justificar a dança na igreja e no culto sem antes analisar o que é igreja e culto e qual a cultura da comunidade onde a igreja está inserida.
A DANÇA NO CULTO
Berkhof[8] apresenta algumas definições para igreja (ekklesia em grego), dentre elas: “designa um círculo de crentes de alguma localidade definida, uma igreja local” (At 5.11); igreja doméstica (Fm 1.2); “totalidade do corpo, no mundo inteiro, daqueles que professam exteriormente a Cristo e se organizam para fins de culto” (Ef 4.11,12); e, todo o corpo de fiéis que reconhecem a Cristo como Salvador (Cl 1.18). Desta forma, entendemos que igreja é a reunião de pessoas que professam sua fé em Jesus, seja no templo, em casa ou ainda num contexto universal.
Sobre o culto, encontramos nos Princípios Batistas[9] a seguinte referência:
O culto não é mera forma e ritual, mas uma experiência com o Deus vivo, através da meditação e da entrega pessoal. Não é simplesmente um serviço religioso, mas comunhão com Deus na realidade do louvor, da sinceridade do amor e na beleza da santidade […]
O culto pode ser pessoal ou coletivo e deve ser um momento de comunhão com Deus para louvor, proclamação do Evangelho e edificação. A Palavra de Deus, a comunhão com os irmãos, a oração e os cânticos são partes essenciais a este momento (At 2.42-47).
Com base nestes conceitos, podemos visualizar uma reunião de fiéis em templos, casas, praças, ruas, hospitais, presídios etc. – onde a Bíblia é pregada, existe comunhão com Deus e com os irmãos, tem orações e cânticos – como um culto ao Senhor realizado pela igreja Dele.
Em Êxodo e Levíticos lemos o Senhor informando a Moisés uma série de rituais, sacrifícios e celebrações que os hebreus deveriam realizar no culto para diferenciá-los dos demais povos, dentre elas as celebrações no Templo. Neste caso, não encontramos referência de dança como elemento do culto.
É importante destacar que, na época, as religiões pagãs tinham a expressão corporal como parte de seus rituais aos deuses. Com isso, muitos estudiosos e pregadores, relacionando o culto no templo das igrejas locais com as celebrações a Deus realizadas no Templo de Jerusalém, observando as recomendações mosaicas, e tomando a dança como prática nos cultos pagãos, consideram esta expressão artística imprópria aos cultos atuais. Ao olhar desta forma, até faz sentido.
Porém, com os quatro textos bíblicos de Êxodo 15 e 2Samuel 16 podemos entender que a dança utilizada para louvar ao Senhor não é repudiada por Ele, pelo contrário, os Salmos 149 e 150 convocam o povo a celebrar com instrumentos e danças. E ainda, temos uma conceituação diferente entre o Templo de Jerusalém e a igreja de Cristo, onde o templo da igreja local se torna apenas um ponto de reuniões, semelhantes a um salão em outro lugar. Então, se é permitido dançar num culto no lar ou escola, porque não dançar no templo atual, se ambos são locais de reunião e culto da igreja local?
Entretanto, há uma questão que devemos levar em conta ao utilizar a dança, outras artes e outros elementos na igreja e no culto: como a comunidade local enxerga a utilização da expressão corporal no culto? Há divergências? Existe mais concordância do que discordância? Qual é a leitura bíblica, doutrinária e teológica que a igreja faz desta questão?. Esta análise da igreja em que estamos faz toda a diferença para aplicar esta arte como um elemento do culto, seja esporádica ou frequentemente.
CONCLUSÃO
Diante de tudo o que foi apresentado neste texto, é possível ver que não há impedimento bíblico para o uso da dança no culto, pois a Bíblia aborda esta arte como uma forma de louvar ao Senhor. Porém, ela também ensina que na reunião com os irmãos tudo deve ser realizado para a edificação mutua e com ordem e decência (1Co 14.26,40). Desta forma, se a dança não consegue comunicar o Evangelho, ela não edifica, e, se não há o uso adequado dos dons e nem a preocupação com a forma dos dançarinos apresentarem seu conteúdo, não tem ordem e nem decência. Neste caso, é melhor não usar.
Podemos reconhecer a dança como expressão artística que tem valor em si mesmo pela técnica, autenticidade do autor, conteúdo transmitido e estilo empregado. Mas, ainda é necessária, antes de iniciar um grupo na igreja e usá-la no culto, uma análise cuidadosa pelos interessados, pastores e líderes, para que a visão dos irmãos seja compreendida e respeitada e que não exista divisão na igreja, apenas crescimento e edificação mútua.
[1] Babylon. Aplicativo para computador, versão 10.3.0.14.
[2] Significados Br. Significado da Dança. Disponível no site: https://www.significadosbr.com.br/danca. Visualizado em 12/01/2018.
[3] Idem.
[4] SCHAEFFER, Francis A. A arte e a Bíblia. Trad. Fernando Guarany Jr. Viçosa/MG: Ultimato, 2010, p.38.
[5] Idem.
[6] Informações extraídas do vídeo “Dança no culto pode?”. Disponível no site: https://www.youtube.com/watch?v=JifomAyzEv8&t=824s. Visualizado em 12/01/2018.
[7] Comentário Bíblico Moody, livro de Êxodo; pág. 38. Disponível no site: http://ibanac.com/?p=4933. Visualizado em 12/03/18.
[8] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Campinas/SP: Luz para o Caminho, 1990.
[9] Princípios Batistas. Disponível no site: http://www.batistasrn.org.br/pdf/principiosbatistas.pdf. Visualizado em 04/04/2018.
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