O PAPEL DA IGREJA CONTRA O AB0RT0 E NO ACOLHIMENTO DAS MULHERES

por João Marcos Bezerra (@joaomarcosbezera.pr)

Pastor da Igreja Batista Jardim (@jardimigrejabatista), teólogo, marido e pai de meninas

 

Nos últimos anos o debate sobre o aborto tem sido destaque na mídia. Ainda mais nos últimos dias com a discussão sobre a constitucionalidade do Projeto de Lei 1904/2024. Esta proposta visa alterar o Código Penal para equiparar o aborto ao homicídio quando realizado após a 22ª semana de gestão. Para muitos é o PL Antiaborto. Para outros é o PL do Estupro porque pode condenar uma mulher que aborta com mais de 22 semanas a uma pena superior à de um estuprador.

O que é aborto?

“O penalista Heleno Cláudio Fragoso (1986) ensina que ‘o aborto consiste na interrupção da gravidez com a morte do feto’”[1]. Outra definição é que “aborto é a interrupção de uma gravidez resultante da remoção de um feto ou embrião antes de este ter a capacidade de sobreviver fora do útero”[2]. Por fim, a OMS defini que o aborto é a interrupção da gestação antes das 22 semanas completas (154 dias) de gestação[3].

Neste debate entra em cena a Bíblia, que é usada por muitos defensores como base dos argumentos antiabortistas. Mas, afinal de contas, o que as Escrituras Sagradas falam sobre aborto?

É importante reforçar que este assunto é complexo e precisa ser tratado com muito cuidado, pois estamos tratando de vidas: do bebê e da mãe. Por isso, vamos abordar com muita misericórdia, graça e amor, buscando apoiar a argumentação na Palavra de Deus.

De forma direta a Bíblia não fala sobre o tema. Até existem alguns textos com as expressões: “cabras que nunca abortaram...” (Gênesis 31.38); “suas vacas dão crias e não abortam” (Jó 21.10); “não haverá praga alguma nem aborto” (Salmos 144.14). Em sua angústia Jó amaldiçoou o dia em que nasceu e perguntou: “Por que não me sepultaram como uma criança que nasceu morta [abortada], como um bebê que nunca viu a luz?” (Jó 3.16).

Mesmo não abordando o tema diretamente, a Palavra de Deus nos dá alguns princípios que podemos usar sobre o assunto.

 

Que é o homem, para que te lembres dele? E o filho do homem, para que o visites?

Tu o fizeste um pouco menor que os anjos e o coroaste de glória e honra.

Deste-lhe domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés. (Salmo 8.4-6)

 

O primeiro princípio é o valor da vida humana. O ser humano foi criado a imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1.27) e, por isso, é digno de respeito e tem o seu valor. Isto é tão precioso para o Senhor que Eleamou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.16).  Além disso, Jesus veio para dar vida em abundância (João 10.10).

Todavia, levanta-se a questão: a partir de quando podemos considerar o feto como um ser com dignidade a quem devemos preservar a vida?

O Rei Davi em Salmos 139.16 escreveu: “Os teus olhos viram a minha substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles ainda existia”. Dando a ideia de que Deus já tinha um propósito para o salmista antes mesmo de ser um feto definido.

Em Isaías 49.1 fala do Servo do Senhor como alguém que teve o nome mencionado por Deus ainda na barriga da mãe. Em Jeremias 1.5 o Criador fala para o profeta que este já era conhecido antes de ser formado e ainda no ventre materno foi consagrado para a missão. Além disso, podemos mencionar a gravidez da esposa de Manoá, pais de Sansão, que recebeu orientações de como proceder na gestação, pois o menino já estava consagrado.

Estes textos apresentam o segundo princípio que o feto já é considerado vida a partir da sua concepção, pois Deus tem um propósito para cada ser humano. A partir do momento que a mãe percebe sua gravidez precisa considerar ali que seu feto é uma pessoa com valor e dignidade. É neste ponto que surge a relação do aborto com o 6º mandamento e o nosso terceiro princípio.

 

Não mate. (Êxodo 20.13)

 

Este artigo dos Dez Mandamentos estabelece que a pessoa não pode matar de forma intencional e com maldade. Considerando o feto já um ser humano, abortar intencionalmente é equivalente a matar. Destaca-se que não estamos falando de aborto espontâneo e nem de aborto de bebês anencefálicos (com má formação no cérebro em quem não há vida).

O texto de Êxodo 21.22 trata a morte de um bebê com seriedade, sendo necessário reparação pelo causador: “Se homens brigarem e ferirem uma mulher grávida, e forem causa de que aborte, porém sem maior dano, aquele que feriu será obrigado a indenizar segundo o que lhe exigir o marido da mulher; e pagará como os juízes lhe determinarem”. É por esta consideração, que a igreja, tanto católica como evangélica, trata o aborto como pecado.

 

Vocês ouviram o que foi dito aos antigos: “Não mate.” E ainda: “Quem matar estará sujeito a julgamento.” Eu, porém, lhes digo que todo aquele que se irar contra o seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem insultar o seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem o chamar de tolo estará sujeito ao inferno de fogo. Portanto, se você estiver trazendo a sua oferta ao altar e lá se lembrar que o seu irmão tem alguma coisa contra você, deixe diante do altar a sua oferta e vá primeiro reconciliar-se com o seu irmão; e então volte e faça a sua oferta. (Mateus 5.21-24)

 

No Sermão do Monte, Jesus esclareceu que o assassinato intencional vem da ira no coração humano, ou seja, é necessário tomar cuidado com o sentimento que vem antes mesmo de fazer algum mal. E reforçou que é extremamente necessário liberar perdão a outro como uma pessoa misericordiosa, humilde e seguidora de Jesus deve fazer.

No nosso contexto aqui, devemos tomar cuidado com o sentimento que nos faz desejar a morte de um feto. Imaginando uma mulher que foi estuprada e se colocando no lugar dela, deve ser doloroso demais saber que o agressor deixou um ser no ventre. O que fazer? Não é fácil perdoar.

Lembra-se que no início afirmei que este assunto é complexo e precisa ser tratado com muito cuidado, pois estamos tratando de vidas: o bebê e a mãe? Também lembra que o primeiro princípio aborda o valor e o respeito ao ser humano? E que Jesus fala sobre o perdão? É neste momento que chamo atenção para a mulher, a mãe.

 

No Brasil existem três situações em que o aborto não é considerado crime: quando a gravidez representa risco de vida para a gestante, quando é resultado de estupro ou quando o feto é anencefálico. Nessas situações, o aborto legal é permitido pelo Sistema Único de Saúde (SUS)[4].

 

A mulher também foi criada a imagem e semelhança de Deus e tem seu valor, foi coroada de honra e glória e é digna de respeito. Por ser pai e ter acompanhado de perto as duas gestações da minha esposa imagino que não é fácil para uma mãe cogitar a possibilidade de interromper a gravidez. A igreja deve ser contra o aborto sim! Todavia, é importante haver amor e misericórdia ao tratar da vida da mãe.

Como fica a mente de uma mulher grávida por estupro? Quais serão as crises que passará durante a gestação?

Assisti ao documentário da BBC ‘Fora das sombras: as pessoas nascidas de estupros’. Ouvi relatos de filhos que sofriam por saber que eram frutos de estupro, além das dúvidas na mente de uma mãe sobre a forma e momento de contar ao seu filho como ele foi concebido. Não é fácil!

A igreja precisa se posicionar contra o aborto ao ensinar que é pecado; que o corpo é santuário do Espírito Santo, que pertence a Deus e não da própria pessoa; que não deve haver relação sexual fora do casamento (1 Coríntios 6.19). Porém, quando a mulher é forçada a fazer sexo e engravida? Qual é o papel da igreja?

Um deles é ensinar que “o filho não pagará pela iniquidade do pai, nem o pai pagará pela iniquidade do filho” (Ezequiel 18.20), ou seja, o feto não deve morrer pelo pecado do pai estuprador. Outro é exortar as mulheres mais velhas como mães e as mais jovens como irmãs, com toda a pureza (1 Timóteo 5.1,2), compreendendo que a decisão é da mulher. Este é o quarto princípio.

Lembro que em 2020 uma criança de 11 anos foi estuprada pelo tio e ficou grávida no Espírito Santo. A defesa pela vida do feto foi tão grande que esqueceram que a mãe também era uma criança e corria risco de vida ao manter a gravidez. Houve protestos na porta do hospital ao ponto da menina ser levada pela família para interromper a gravidez em Pernambuco. Este ato de insensibilidade com a garota deve ter deixado marcar ruins nela e na família.

Como crente em Jesus, devemos orientar na Palavra de Deus as mulheres que cogitarem o aborto e lembrar que a decisão por fazer ou não é delas. Caso haja a escolha pela interrupção da gravidez, creio que haverá tristeza da mãe. Neste caso, nosso papel é chorar junto ela e dar o suporte necessário para passar pela dor e sofrimento para que haja confissão de pecado, perdão e cura, em nome de Jesus.

Eu poderia neste momento chamar a atenção das pessoas para, além de lutar contra o aborto, incentivar a adoção de crianças; para lutar contra a violência sexual de crianças e adolescentes, principalmente dentro de nossas igrejas, dando o suporte necessário à vítima para denunciar e se afastar do agressor; para criar um ambiente de acolhimento com um vínculo de amor em nossa comunidade cristã para confissão de pecados (Tiago 5.16), lembrando que a Bíblia está repleta de mandamentos para não pecarmos, mas, se pecarmos, temos um Advogado junto ao Pai, Cristo Jesus, pois com confissão de pecados seremos perdoados por Deus (1 João 1.9; 2.1).

Para não ser mais extenso, quero finalizar este artigo deixando a prática da igreja em relação a este assunto:

1.    Expor o que a Bíblia ensina sobre valor humano, vida abundante, perdão, ira, pureza e exortação;

2.    Posicionar-se contra o aborto, a libertinagem e o abuso sexual;

3.    Orientar as mulheres que cogitam o aborto com misericórdia, amor e compaixão;

4.    Criar um ambiente de acolhimento para os que sofrem;

5.    Ensinar a confissão e o perdão dos pecados para ser salvo.

A minha oração é que o Espírito Santo encha o coração de todos nós que formamos a igreja do Senhor para que menos mulheres sejam violentadas, passem pelo sofrimento de cogitar o aborto e se sintam acolhidas por uma comunidade que as ama, em nome de Jesus. Amém!



[4] Questões Inteligentes Oab. Aborto – O que diz a lei. Disponível no site https://www.jusbrasil.com.br/artigos/aborto-o-que-diz-a-lei/414535657. Visualizado em 26/6/24.

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