PURA E SIMPLES GRAÇA
por João Marcos Bezerra – jmarcoscb@gmail.com
Texto
base: Efésios 2.1-10
O dia 31 de outubro é conhecido como o Dia da Reforma
Protestante, apesar de que atualmente aqui no Brasil se comemore o Dia das
Bruxas no mesmo dia. Acredita-se que, em 1517, Martinho Lutero fixou suas 95
teses contra algumas práticas da Igreja Católica na porta da igreja do castelo
de Wittenberg. Todavia, alguns estudiosos declaram que não há evidências
documentais para isto e que, na verdade, Lutero enviou as suas teses ao
arcebispo de Mainz, ao papa e a alguns amigos e professores universitários[1].
Não temos a intenção de entrar no detalhe se foram
fixadas ou enviadas porque o ato de Martinho destaca que o pecador é salvo somente
pela graça do Senhor, por meio da fé em Cristo. Este foi, segundo teólogos, a
grande questão de oposição entre esta tese e a Igreja Católica Romana, que, na
época, usava as indulgências, que financiava a riqueza e grandes obras da
igreja, como forma de conferir graça para salvar.[2]
O que entendemos como Graça de Deus?
Normalmente definimos como “receber algo que não se merece; presente inexplicável.”[3]. Mas também é possível definir como Dom ou virtude especial concedida por Deus como meio de salvação ou santificação. Assim como, os escritores bíblicos tratam a graça como sendo a presença e o amor de Deus em Cristo Jesus, transmitidos aos crentes pelo Espírito Santo, e que lhes concede misericórdia, perdão, querer e poder para fazer a vontade de Deus. Toda atividade da vida cristã, desde o seu início até o fim, depende desta graça divina.
Os reformadores sustentavam que o pecador é
salvo pela graça de Deus, o seu favor imerecido, somente. Essa doutrina
significa que nada que o pecador fizer pode trazer-lhe o mérito para obter a
graça de Deus, e que o pecador não coopera com Deus, a fim de merecer a sua
salvação. A salvação, do começo ao fim, é o dom soberano de Deus para os
indignos e não merecedores. Conforme Paulo escreveu aos cristãos de Corinto que
estavam inclinados a vangloriar-se: [“Pois que direito vocês têm de julgar
desse modo? O que vocês têm que Deus não lhes tenha dado? E, se tudo que temos
vem de Deus, por que nos orgulharmos como se não fosse uma dádiva?”] (1
Coríntios. 4:7). Ninguém pode estar diante de Deus e dizer: “Olhe para mim e
veja o que eu fiz!” Deus não é devedor de ninguém, nem mesmo em matéria de
salvação (Romanos 11:35).[4]
Devemos tomar cuidado para não confundir com a graça
barata: doutrina de quem acredita que basta aceitar o amor de Deus para ter os
pecados perdoados; onde não há arrependimento, nem necessidade de libertação;
que justifica o pecado e não o pecador. Enquanto que a verdadeira graça
preciosa chama ao discipulado de Cristo; “custa a vida ao ser humano” (Mt 16.24)
– assim como a vida do Filho de Deus (Jo 3.16); que justifica e perdoa o
pecador e condena o pecado.[5]
Agora em relação a esta tese no livro de Efésios, o
capítulo 2 contém a principal referência sobre a salvação pela graça (“Porque
pela graça, vocês são salvos, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de
Deus; não vem de obras para que ninguém se glorie” – vs.8,9). Além disso, ele
mesmo explica o que significa isto.
O capítulo já começa falando que Deus nos deu vida,
quando estávamos mortos no pecado, debaixo da obediência dos poderes do mal que
vivem neste mundo e seguindo os nossos próprios desejos. Isto ocorreu quando
éramos filhos da desobediência e, por natureza, filhos da ira – sujeitos a
condenação eterna (vs.1-3). E, conforme Romanos 1, 2 e 3, o Senhor fez isto
quando éramos seus inimigos e andávamos longe Dele.
Deus não nos salvou porque fizemos algo que nos
tornasse merecedores da vida eterna. Até porque Romanos 3.10 afirma que “não há
justo, nem um sequer”, Salmos 14.3 e 53.3 diz que “não há quem faça o bem, não
há sequer um” e Romanos 3.23 declara que “todos pecaram e carecem da glória de
Deus”. Mas Ele fez isto porque é rico (pródigo – esbanjador) em misericórdia e,
“por causa do seu grande amor com que nos amou, estando nós mortos em nossas
transgressões” (Ef 2.4,5). Isto é, somos salvos pela graça somente.
Em Lucas 15.11-32 Jesus contou a história de um homem
e seus dois filhos, conhecida como a Parábola do Filho Pródigo. O filho
abandonou sua casa e ao retornar humilhado e arrependido recebeu roupas e
sandálias novas e um anel do pai. Prestemos atenção no comportamento do pai,
que mesmo tendo sido amaldiçoado pelo filho, desonrado diante da sociedade e
perdido parte dos seus bens, mostrou como esbanjar graça e misericórdia.
Primeiro foi ao filho mais novo que fez tudo isso. Depois, ao filho mais velho
que se irou contra o irmão, rejeitou a festa em sua casa e desonrou também o
pai[6].
Isto é a mesma ação que Deus faz conosco por meio da Sua graça salvadora.
Além disso, lembram que estávamos mortos no pecado? O
que Deus fez? Ele nos ressuscitou juntamente com Cristo e nos fez assentar nas
regiões celestiais, bem acima dos pecados e problemas deste mundo (Ef 2.1,6). O
texto ainda fala mais ao afirmar que o Senhor fez “isso para mostrar nas eras
futuras a imensa riqueza da Sua graça” (v.7). Deu-nos a garantia da vida eterna
e ainda demonstra a Sua bondade àqueles que ainda nascerão por meio da
maravilhosa graça.
Nisto tudo, é importante ressaltar que a salvação pela
graça vem por meio da fé (v.8), ou seja, através da “convicção de que Deus
existe e é o criador e governador de todas as coisas, o provedor e doador da
salvação eterna em Cristo” e “de que Jesus é o Messias, através do qual nós
obtemos a salvação eterna no reino de Deus”[7].
Não vem pelas obras “para que ninguém se glorie” (v.9) porque nós fomos feitos
(restaurados) em Jesus “para boas obras” e fomos criados na origem para isto
também (v.10). Acredito que se falássemos para o Senhor que mereceríamos a
salvação porque fizemos praticamos o bem, ouviríamos Dele: “Não fizeram mais do
que a obrigação de vocês porque eu criei vocês para isto desde o início”. As
boas obras são atitudes normais de quem é salvo pela graça do Senhor.
Então, este conceito de Sola Gratia, restaurado pela Reforma Protestante, se opôs a doutrina das indulgências da Igreja Católica e trouxe de volta o entendimento de que não há nada que possamos fazer para sermos salvos da morte eterna, da perda completa de um relacionamento com o Pai, porque isto só é possível por conta da graça Dele, através da fé, que gera arrependimento e transformação que resulta em boas obras. Amém!
Ouça o podcast sobre este tema no link: https://anchor.fm/falajoao
[1] Adital. As
95 teses de Martinho Lutero na porta da igreja do castelo de Wittenberg. 2016. Disponibilizado no site: http://www.ihu.unisinos.br/185-noticias/noticias-2016/561367-as-95-teses-de-martinho-lutero-na-porta-da-igreja-do-castelo-de-wittenberg.
Visualizado em 25.out.2020.
[2] WATERS,
Guy Prentiss. Sola gratia. 2013.
Disponível no site: https://ministeriofiel.com.br/artigos/sola-gratia/.
Visualizado em 13.out.2020.
[3] SBB.
Mateus. Bíblia de estudo do discipulado
– Novo Testamento. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017, p.8.
[4] Idem.
[5]
BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. Tradução
Murilo Jardelino, Clélia Barqueta. 1 ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2016,
capítulo 1.
[6] KELLER,
Timothy. O Deus pródigo. Tradução
André Jenkino. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2016.
[7] Bíblia
Strong português, hebraico, grego [recurso eletrônico]. Significa de pistis
(G4102)
Comentários